quinta-feira, 4 de outubro de 2007

ENTREVISTA COM O EX-GOLEIRO SALVINO




ENTREVISTA - SALVINO DAMIÃO


Salvino Damião Neto nasceu na pequena cidade de Pau dos Ferros, no interior do Rio Grande do Norte, em 1958, ano que o Brasil conquistava o primeiro título mundial de futebol. A sua ligação com o esporte bretão era algo inevitável e aconteceu de forma prematura para os padrões profissionais.

Ruim com a bola nos pés, Salvino percebeu que não teria chances jogando na linha. Resolveu apostar na mais ingrata das posições. Sem medo de bolada - ou de quase nada nessa vida - Salvino foi convocado para ser o goleiro titular da seleção da cidade, Pau dos Ferros, no campeonato estadual de 1972. Detalhe: com apenas 14 anos de idade.

Com a sua valiosa colaboração, Pau dos Ferros chegou à fase final do torneio viajando até a capital para enfrentar os melhores times. Goleiro menos vazado e campeão regional, Salvino foi cobiçado por grandes clubes, que acreditavam no seu futuro profissional. Mas, o Alecrim, de Natal, foi mais rápido e o contratou. Mesmo com a pouca idade, o time potiguar não hesitou e formalizou o primeiro contrato profissional do jogador.

No Alecrim, Salvino só permaneceu durante seis meses, tempo mais do que necessário para um dos maiores clubes da região o descobrir. Em 1973, o Sport de Recife o levou especialmente para as disputas da Copa São Paulo de Futebol Júnior. Em 74, já era o terceiro goleiro do Sport, com apenas 16 anos. Nos juniores, só voltaria a jogar nas decisões de campeonato contra os rivais Náutico e Santa Cruz. Resultado: foi tricampeão estadual desta forma.

Com 19 anos, e uma experiência considerável, Salvino jogou ainda no Botafogo-PB, Ferroviário-CE, Ceará-CE, ABC-RN, Tiradentes-CE, Maranhão-MA, Icasa-CE, Capela-AL, clube onde encerrou a carreira. No Fortaleza, sua passagem foi histórica, pois ajudou o time a quebrar um jejum de sete anos sem títulos.

A relação de amor com o Fortaleza, que permanece até os dias de hoje, foi fortalecida em 1999, sete anos depois que Salvino encerrou a carreira, por problemas de saúde. Quando descobriu um problema renal, em 92 - jogava no Capela - teve que abandonar o esporte e sua vida quase perdeu o sentido. Passou um ano fazendo hemodiálise e quatro anos deitado numa cama até fazer um transplante. Foi um dos dois escolhidos numa lista com mais de trinta nomes.

Em 1999, foi convidado para ser o preparador de goleiros do Fortaleza, função que mantém até hoje. "Não consigo descrever o dia que voltei a trabalhar com o futebol. Era como se tivesse nascido de novo", afirma Salvino. Com os olhos lacrimejados, ele fala com carinho do Fortaleza: "Hoje é minha segunda casa. Tenho um pedaço do coração aqui dentro".

Salvino é respeitado por todos no Pici pela sua competência e história de vida. Nos últimos anos, grandes nomes passaram por suas mãos e viveram fases especiais com a camisa 1 do Tricolor de Aço: Palmieri, Maizena, Jefferson, Magrão, Bosco, Albérico, dentre outros.

Em entrevista exclusiva ao Site Oficial do Fortaleza, Salvino fala mais da sua carreira, dos momentos felizes e inesquecíveis e da sua fama de indisciplinado, que ele rebate sem pestanejar: "Eu era um vencedor, queria ganhar sempre, honrava a camisa que jogava, mas nunca passei por cima de ninguém". Ele fala também sobre alguns casos curiosos, como o medo de sapo e diz que tudo isso não passa de lenda.

FortalezaEc.Net: Fale um pouco da sua carreira, dos clubes que você atuou e dos seus títulos como jogador.

Salvino: Eu comecei novo, com 14 anos de idade, na seleção de Pau dos Ferros, no interior do Rio Grande do Norte. Em 1972, disputei um campeonato que a gente chamava de Matutão e eu fui um dos destaques. Meu time foi campeão e eu o goleiro menos vazado. O Alecrim de Natal me contratou e me profissionalizou com 14 anos de idade. Seis meses depois, fui seqüestrado pelo Sport, de Recife...

FortalezaEc.Net: Seqüestrado?

Salvino: É, como o Sport não entrou em acordo com o Alecrim, eu fui a força pra Recife. Naquela época o atleta passava seis meses sem atuar e poderia fazer vínculo com outra equipe.

FortalezaEc.Net: E como foi sua passagem no Sport?

Salvino: Em 1973, disputei a Copa São Paulo de Futebol Júnior. Era o terceiro goleiro do profissional e só jogava nos juniores quando era decisão. Eles sempre me colocavam nos clássicos. Fui tricampeão pelos juniores do Sport. Com 19 anos, fui emprestado para o Botafogo-PB. Fiquei quatro anos lá e conquistei o tetracampeonato paraibano. Quando eu saí, o time perdeu o penta. Em 80, joguei no Ferroviário, passei dois anos lá, até chegar ao Fortaleza. O time não conquistava nada tinha sete anos e eu ajudei a quebrar esse jejum. Fui campeão em 86 pelo Ceará e depois fui para o ABC, em 87.

FortalezaEc.Net: Lá em Natal você não jogou muito tempo. Por quê?

Salvino: Eu briguei com um juiz e acabei pegando uma suspensão. Só voltei a jogar em 88, pelo Tiradentes-CE. Conquistamos o segundo turno do campeonato cearense naquele ano. Depois disso, passei ainda pelo Maranhão, voltei a jogar no Fortaleza em 1990 e 1991, quando fui campeão de novo, passei em 92 pelo Icasa e encerrei minha carreira no mesmo ano no Capela-AL.

FortalezaEc.Net: Você decidiu encerrar sua carreira por vontade própria?

Salvino: Não. Eu jogava no Capela-AL e ainda estava num bom nível físico e técnico. Só que aos poucos senti a força diminuindo. As pernas começaram a inchar. Estranhei tudo aquilo, sempre fui muito saudável. O Capela fez todos os exames comigo até que descobriram um problema renal. Os médicos disseram que eu não poderia mais jogar futebol. Foi a pior dor da minha vida (Visivelmente emocionado, Salvino pára de falar por alguns segundos).

FortalezaEc.Net: E como foi conviver com a doença?

Salvino: Eu passei um ano fazendo hemodiálise e quatro anos deitado numa maca. Era só tristeza, o mundo era escuro pra mim. Eu confiava em Deus, e tinha uma esperança: a lista de transplantes. Fiz exames quase todos os dias num período de três meses. Em 1997, eu recebi a notícia que estava numa lista com trinta pessoas. Num primeiro momento, só ficariam quinze, mas apenas duas pessoas fariam o transplante. E eu fui um dos selecionados. Lembro que queria pular muito quando recebi a notícia, era como se tivesse vencido uma decisão de copa do mundo. Foi uma alegria imensa, sentia a vida novamente.

FortalezaEc.Net: Como foi a vida pós-transplante?

Salvino: Quando eu acordei depois do transplante, a primeira pergunta que fiz pra enfermeira foi se estava urinando. Ela disse que durante a noite eu tinha urinado 14 litros. Nunca pensei que fosse ficar tão feliz com uma notícia assim. Ainda tive uma infecção, tomei medicamentos e voltei a viver normalmente depois de um ano de acompanhamento médico.

FortalezaEc.Net: Agora só faltava voltar ao futebol né?

Salvino: Exatamente. Em 99, fui convidado pelo Arnaldo Lira para trabalhar no Fortaleza. Não consigo descrever a alegria de voltar ao futebol. Foi minha vida desde a infância, não sabia fazer outra coisa.

FortalezaEc.Net: De que forma você queria contribuir com o Fortaleza?

Salvino: Quando eu cheguei em 99 o Fortaleza não era campeão havia sete anos. Eu queria passar meus conhecimentos e minha experiência para os goleiros. O primeiro goleiro com quem trabalhei foi o Maizena. Não ganhamos o título naquele ano, mas a base ficou montada para o ano 2000, onde finalmente fomos campeões.

FortalezaEc.Net: Entre 2003 e 2004, você saiu do Fortaleza. Por qual motivo?

Salvino: Eu trabalhei de 1999 até 2003 com todos os treinadores que passaram no Pici. No segundo semestre de 2003, o Márcio Araújo chegou com a comissão técnica completa. Nesse período, fui para o América de Natal com o Ferdinando Teixeira. Foi uma experiência boa conhecer outro clube. Retornei ano passado quando o Mauro Fernandes me convidou para trabalhar com ele. Hoje o Fortaleza é minha segunda casa. Tenho um pedaço do meu coração aqui dentro.

FortalezaEc.Net: Voltando um pouco para a sua carreira como goleiro. Conta-se que quando você atuava no Ferroviário, um goleiro chamado Barbiroto foi contratado e no primeiro treino você ficou amolando uma faca numa das traves. Imediatamente, o Barbiroto foi embora. É verdade?

Salvino: (Risos). Claro que não. O Barbiroto tinha jogado no São Paulo com alguns jogadores que haviam atuado comigo no Botafogo-PB. Vários deles me conheciam. Quando ele chegou no Ferroviário e viu que eu era o goleiro titular, simplesmente preferiu ir embora porque sabia que não ia jogar. Não quis nem disputar a posição porque sabia que ficaria na reserva. Não existiu essa história de faca.

FortalezaEc.Net: Mas medo de sapo você sempre teve né? Tem algumas histórias sobre isso...

Salvino: Também não. A história do sapo nasceu depois de uma decisão de turno na Paraíba. O massagista do Campinense colocou um sapo dentro do gol. A diretoria do Botafogo já sabia que isso ia acontecer e me recomendou chamar o juiz para comunicar o fato. Foi isso que eu fiz. Chamei o árbitro (José Roberto Wright). Daí surgiu a história que eu tinha medo de sapo. Já ouvi tantas histórias sobre isso que até acho engraçado. Mas não são verdadeiras. Eu nasci em beira de lagoa, como posso ter medo de sapo?

FortalezaEc.Net: E sua fama de indisciplinado? As histórias com confusões você não pode negar, são fatos.

Salvino: Não tem porque negar. Eu nunca tive maldade com ninguém. Eu era um vencedor, queria ganhar sempre, honrava a camisa que jogava e às vezes passava do limite, mas nunca quis passar por cima de ninguém. Ganhava dentro de campo, por isso me considero um vencedor na carreira e na vida.

FortalezaEc.Net: Hoje a torcida pode ficar tranqüila com relação ao seu trabalho. O Bosco vive uma excelente fase, o Albérico quando precisou entrou bem...

Salvino: Sem dúvidas. Eles são muito bons, inclusive o Marcelo Cruz que ainda não atuou, mas se precisar está no nível dos outros. Isso é o mais importante.

FortalezaEc.Net: Seu relacionamento com eles é de pai?

Salvino: De irmão. Eu tenho a consciência tranqüila que os goleiros que passaram nas minhas mãos foram bem aqui no Fortaleza. Maizena, Palmieri, Rodrigues, Jefferson, Magrão, Bosco, Albérico. São goleiros de nível. Trabalho dentro de campo, respeito, converso muito com eles, compreendo, passo a minha experiência, enfim, um relacionamento honesto.

FortalezaEc.Net: Quando um goleiro falha num lance, você conversa com ele francamente?

Salvino: Imediatamente. No dia do jogo. Às vezes na saída do campo. Não deixo para o outro dia. Converso sempre, independentemente da atuação. Nunca tive problemas com nenhum goleiro porque sempre fui sincero, joguei aberto.

FortalezaEc.Net: Pra encerrar, diga um momento feliz e outro triste da sua vida?

Salvino: O momento triste foi quando recebi a notícia que não poderia mais jogar futebol. E o momento feliz e inesquecível é o hoje. Sou feliz por estar no Fortaleza, por participar de toda a sua ascensão e pelo clube representar o nordeste na primeira divisão.

2 comentários:

Francenildo - João Pessoa/PB disse...

Sou torcedor do Botafogo da Paraíba e fiquei muito feliz em saber como anda nosso inesquecível Salvino. Muito legal

Francenildo - João Pessoa/PB disse...

Sou torcedor do Botafogo da Paraíba e fiquei muito feliz em saber como anda nosso inesquecível Salvino. Muito legal